Quase metade dos municípios brasileiros não possuem veículos de jornalismo local, dedicada ao interesse da comunidade. A questão pode ser vista como um problema grave: as pessoas ficam mais suscetíveis a fake news e desinformação. Porém, há também oportunidades. Onde não há veículos consolidados e mercado ocupado, há espaço para novas iniciativas se instalarem.
Esse é o cenário que levou a Alright Media AdTech promover a live Jornalismo local: desertos de notícias como oportunidades”. A conversa, realizada em 26 de outubro no canal da Alright do Youtube, teve a participação de Sérgio Lüdtke, presidente da ProJor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, e Luiz Henrique Matos, diretor de parcerias de notícias da Google na América Latina. A mediação foi da jornalista Marlise Brenol, diretora editorial da Cartola Conteúdo.
Atlas da Notícia
O ponto de partida do bate-papo sobre o jornalismo local foi a apresentação de dados do Atlas da Notícia, um censo que identifica a presença de jornalismo local nos municípios brasileiros. Sérgio Lüdtke, coordenador do projeto, explicou que o levantamento mapeia três tipos de municípios: desertos, quase desertos e não desertos. Os chamados desertos de notícias são aqueles sem nenhum veículo que faça cobertura de notícias locais. As pessoas destas cidades têm acesso à informação, mas vinda de outros lugares, não da comunidade local.
Conforme o jornalista, os quase desertos são os municípios que contam com um ou dois veículos de comunicação local. E os não desertos, são os que têm mais de três veículos em atuação. Lüdtke destaca a redução significativa de 8,6% nos desertos de notícias em 2023. “Pela primeira vez há uma virada, porque nós tínhamos sempre a maior parte dos 5.570 municípios brasileiros como desertos de notícias. A gente percebe que os desertos vêm encolhendo desde 2019. Então, hoje, 51,3% já contam com algum veículo de comunicação local”, ressalta.
Expansão do digital no Jornalismo Local
Lüdtke atribui esta mudança significativa de cenário à expansão do digital e à identificação de rádios comunitárias. De acordo com ele, há atualmente no país em torno de 5 mil rádios comunitárias em atividade. “Em comparação com o mapeamento anterior, de 2022, o Atlas acrescentou 575 iniciativas nativas digitais que fazem jornalismo online e 239 rádios comunitárias”, cita.
O presidente da Projor enfatiza que há ainda um número relevante de veículos impressos no Brasil, porém com queda acentuada na atuação. Já emissoras de televisão e de rádio permanecem estáveis nos últimos anos, segundo mapeou o Atlas da Notícia.
Pesquisa com veículos locais
Para ter uma noção mais precisa de como funcionam os bastidores das redações do jornalismo local em municípios que são quase desertos, foi realizada uma pesquisa com integrantes de 70 organizações jornalísticas brasileiras, a maioria em atuação no meio digital. Lüdtke considera que alguns dados detectados são preocupantes. Entre eles, que somente 71,4% são empresas legalmente constituídas; apenas 28,5% das empresas fazem algum tipo de planejamento estratégico e apenas 25,7% contam com uma sede própria.
Um dos pontos sensíveis observados neste levantamento e destacado pelo jornalista é a dificuldade enfrentada para financiar os negócios. “Para se ter uma ideia, 21,5% destes veículos não tiveram receita em 2021”, comenta. Ele explica que no caso dos veículos sem receita, muitas vezes os proprietários precisam trabalhar em outras áreas para viabilizar que o veículo permaneça em atuação. “Há casos de jornalistas que são funcionários públicos municipais e, em paralelo, mantém um veículo local. E aí há um conflito de interesse bastante evidente”, adverte. O levantamento também aponta que apenas 7,7% faturaram entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês em cidades que são quase desertos.
Outro dado observado é a dependência da publicidade nestes veículos de jornalismo local:
- 14 necessitam exclusivamente de publicidade para se manter.
- 25 têm na publicidade 90% de sua receita.
- 64% dos 70 veículos pesquisados têm na publicidade mais de 80% de sua receita.
Lüdtke analisa que até existe a busca por outras fontes de financiamentos, como crowdfunding, editais e promoção de eventos para fomentar o jornalismo local. “Porém, os jornalistas destas organizações ainda têm dificuldade de organização para explorar outras alternativas para custear seus negócios”, pondera. Além disso, há a constatação de dificuldade na organização comercial dos empreendimentos jornalísticos pesquisados. Um exemplo é que em 34% das organizações é o proprietário o responsável pela venda de anúncios. Em 7% destas empresas, as tarefas comerciais são efetuadas pela equipe editorial.
Google como parceiro de veículos jornalísticos
Luiz Henrique Matos, diretor de parcerias de notícias da Google na América Latina, começou a participação na conversa sobre jornalismo locla salientando a importância do Atlas da Notícia. “É uma forma de termos consciência sobre como ocorre, na prática, a produção jornalística no Brasil. Também é uma maneira de termos acesso a lacunas e oportunidades de atuação para a Google no apoio concreto aos veículos locais de comunicação”, explica.
Matos, que é responsável pelo relacionamento com grupos de mídia e integrante do grupo de trabalho global da Google News Initiative, aponta que o auxílio a organizações jornalísticas tem como ponto de partida prover plataformas para distribuição de conteúdo. “Oferecer um espaço de distribuição torna mais democrático e possível a atuação jornalística em determinados lugares do Brasil”, observa.
O segundo ponto a ser seguido para auxiliar o jornalismo local, conforme o representante da Google, é dar apoio para fomentar a diversidade de modelos de negócios. “A monetização de negócios jornalísticos precisa ir além dos anúncios, com programas de assinaturas, por exemplo. Também é preciso haver a implementação de tecnologias para simplificar processos dentro dos veículos”, sinaliza o especialista.
Tecnologia a favor do jornalismo local
De acordo com Matos, os produtores de conteúdo e donos destas empresas de comunicação de jornalismo local têm dificuldade em implementar ferramentas de tecnologia. “Poder dar apoio para simplificar determinadas tarefas dentro rotinas jornalísticas pode garantir mais agilidade em veículos de pequeno porte”, garante.
Em muitos casos, conforme revela o Atlas da Notícia, determinados empreendimentos do jornalismo local contam como apenas um profissional fazendo todas as tarefas. ”Nestas empresas, em lugares muito distantes do país, com pessoas sozinhas tocando a operação inteira, é essencial simplificar processos.” Para que isto ocorra efetivamente, a Google oferece atividades online de capacitação e programas presenciais.
O diretor de parcerias de notícias da Google na América Latina relata que a equipe com quem trabalha promove eventos no Brasil, atraindo e convidando estudantes e jornalistas para participarem de programas de formação. “A gente não ensina, obviamente, jornalismo local para jornalistas. Ensinamos jornalistas a usarem as ferramentas para simplificar suas vidas e o seu trabalho.”
Ele cita a ferramenta chamada Pinpoint como um produto que usa inteligência artificial para poder fazer análise e processamento de grandes massas de dados em vídeo, texto e áudio. “O Prêmio Pulitzer de Jornalismo do ano passado, recebido pelo Boston Globe, foi realizado a partir de uma produção editorial usando esta ferramenta.” Matos destaca que este recurso é muito útil para jornalistas que trabalham sozinhos, pois facilita o cruzamento de dados que podem ser utilizados em reportagens, assim como a utilização do Google Trends para análise de tendências.
“O uso mais simplificado da tecnologia para a produção editorial pode ser aplicado em qualquer redação no país. Porém, é especialmente recomendado em lugares onde não há concentração de jornalistas trabalhando”, argumenta.
Matos defende a necessidade de mais diversidade no perfil dos jornalistas no Brasil. “Além do fato da maioria dos profissionais estarem no Rio de Janeiro e em São Paulo, não é novidade falar que entre 70% e 80% desses jornalistas são homens e brancos. Então, a gente não tem representatividade”, lamenta. Segundo ele, para conseguir garantir essa representatividade, a Google tem a missão de ajudar a financiar e fortalecer o trabalho jornalístico que é feito em âmbito local. “Para isso, um estudante de jornalismo do interior de Minas Gerais, precisa ter a escolha de continuar morando em sua cidade e produzir conteúdos a partir dali, se quiser”, exemplifica.
Para isso, de acordo com ele, um dos caminhos é o empreendedorismo. Outra possibilidade é dar suporte para que veículos tradicionais e novas organizações tenham condições de contratar estas pessoas.
Para ajudar nesta conjuntura, a Google faz distribuição de recursos financeiros por meio de alguns programas. “A gente lançou há alguns anos o Google Destaques, que é um programa de licenciamento de conteúdo para veículos. No Brasil, temos mais de 170 veículos recebendo pagamento pela produção editorial de painéis que são publicados dentro do Google News, o nosso serviço agregador de conteúdo”, garante Matos.
Ele explica que a Google também incentiva o empreendedorismo jornalístico, através de programas de aceleração de startups de jornalismo, priorizando a diversidade regional neste trabalho. “Temos programas de transformação e de inovação oferecidos para redações de jornais que estão em transição para o digital. Também apoiamos rádios neste processo.” A empresa também financia serviços de consultoria para veículos de comunicação. “O aconselhamento pode revelar a necessidade de um novo modelo de receita ou revisão técnica do site”, ilustra.
Matos afirma que as informações contidas no Atlas da Notícia são um aprendizado para que uma empresa de tecnologia como a Google consiga construir um plano de ação que se adapte para valorizar a produção jornalística em diferentes regiões brasileiras.“Também priorizamos o financiamento e apoio à pesquisa. Nos juntamos aos esforços do Projor para ser o próximo financiador da pesquisa do Atlas da Notícia, para garantir a continuidade desse trabalho tão importante, liderado pelo Sérgio Lüdtke”, reforça Matos.
Jornalista como empreendedor
Durante a live, também foi comentada a necessidade dos jornalistas terem uma formação mais específica em gestão e empreendedorismo. A mediadora, Marlise Brenol, destacou esta lacuna na formação tradicional do jornalista. Sérgio Lüdtke ponderou que a produção jornalística, como publicar um jornal diariamente, é uma tarefa empreendedora. Porém, na atualidade, há mudanças em curso, como a necessidade de apropriação de ferramentas tecnológicas.
“A capacitação para a gestão e empreendedorismo é oferecida em cursos, muitas vezes gratuitos. No entanto, a falta de tempo dos jornalistas que atuam em veículos é uma das dificuldades para esse aprimoramento.”
Além disso, Lüdtke sugere a realização de parcerias com profissionais de outras áreas que possam efetuar as tarefas de gestão. Outra alternativa para fortalecimento de empreendimentos locais sugerida por ele é a criação de redes com veículos de outras cidades, com uma gestão integrada.
Já Henrique Matos indica a necessidade de disciplinas de negócio em cursos universitários de jornalismo. “Os estudantes pensam em se formar e ser funcionários em algum veículo. E quando chegam em uma posição de gestão dentro de uma redação já enfrentam dificuldades, pois ninguém aprendeu gestão financeira e de pessoas. Romper essa barreira é importante.” Entre os cursos para jornalistas já formados, os dois convidados citam as https://cursos.abraji.org.br/, muitos deles gratuitos.
Dicas finais
No encerramento da live sobre jornalismo local, Sérgio Lüdtke sugeriu que jornalistas de veículos acompanhem atualizações e notícias de entidades como da Abraj, Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e Fundação Gabo, da Colômbia, além de assinarem newsletters como do Farol Jornalismo. Já Henrique Matos cita como sites interessantes para jornalistas o de universidades como o Nieman Lab for Journalism e o The Media Today da Columbia Journalism Review. Além de recomendar o acesso ao site do Google News Initiative.
Somos uma AdTech com soluções e tecnologias para publishers e anunciantes.
Entre em contato e conheça a maior rede de sites regionais do Brasil – a Alright for Brands!