Os veículos locais de jornalismo têm crescido em número e relevância no Brasil. A pesquisa Atlas da Notícia mapeou mais 15 mil empresas jornalísticas deste tipo em 2023. Apesar de o estudo ter identificado uma redução de iniciativas no centro-oeste brasileiro, houve um aumento no sul do país e o balanço nacional foi positivo. Além disso, a pesquisa aponta uma curva ascendente ao longo dos últimos seis anos de investigação. Esse é um indicativo de valorização da atuação dos veículos de imprensa nas cidades.
A professora da Pós-graduação em Comunicação da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Beatriz Dornelles acredita que o crescimento tem relação com os efeitos benéficos do digital para o fortalecimento dos vínculos locais do jornalismo. Para a docente, os veículos da imprensa local seguem com credibilidade e sendo respeitados em suas comunidades, sem serem afetados pela crise de confiança enfrentada pela grande mídia. A professora, que é pesquisadora de veículos locais desde 1995, considera que o jornalismo, quando bem exercido, melhora a vida de qualquer comunidade.
“O conceito de influência casa muito bem com o jornalismo realizado localmente. Há um respeito mútuo entre jornalistas e a população de cidades pequenas, até pela relação de proximidade com o público”, avalia a pesquisadora. Além disso, Beatriz Dornelles cita uma relação emocional dos moradores de localidades de pequeno porte com esses veículos de imprensa, o que não acontece nas capitais e em grandes cidades brasileiras.
Jornalismo local como influenciador
“Para ter influência na sociedade atual, é preciso saber como contar grandes histórias, independente da plataforma.” A análise é de Marcello Barcelos, doutor em Jornalismo, professor, head digital, escritor e pós-doutorando em Estudos de Futuro com Inteligência Artificial. Para o especialista, os veículos locais de imprensa podem se inspirar na capacidade de mobilização de influenciadores digitais que criam conteúdos com engajamento a partir de histórias verossímeis.
Barcelos menciona como exemplo recente uma publicação no Instagram feita nesta semana pela ex-BBB Juliette. Um post patrocinado para uma montadora de veículos teve, em menos de 24 horas, quase 800 mil likes e mais de 7 mil comentários. O conteúdo ressaltava a relação da influenciadora com automóveis, por ter nascido em uma família de mecânicos. “Qual jornalista não gostaria de ter um post com esse engajamento?”, questiona. Para isso, de acordo com o professor, é preciso saber como atrair o público e criar uma relação de proximidade, o que é facilitado com o jornalismo exercido de forma local.
Influência local com presença real
O veículo pode ser um influenciador e também pode ser um agregador de influências. Assim como os influenciadores digitais com milhões de seguidores são capazes de mobilizar e gerar engajamento na Internet (e fora dela), os influenciadores locais alcançam menos seguidores, mas tendem a construir laços mais fortes por proximidade. A Matinal Jornalismo é um exemplo de portal de notícias local que tem um influenciador entre seus colaboradores. A iniciativa, criada em 2019 com o objetivo de reunir os principais assuntos do dia que sejam de interesse para os moradores de Porto Alegre (RS) fez uma parceria com alguns profissionais já reconhecidos no mercado jornalístico. Entre eles, Roger Lerina, crítico cultural e reconhecido nacionalmente pela participação e cobertura do Festival de Cinema de Gramado.
Lerina criou o site próprio em 2018 para fornecer a agenda cultural de Porto Alegre comentada. Algum tempo depois, uniu forças com a Matinal, como um site parceiro. Filipe Speck, diretor executivo e co-fundador do Matinal, pondera que a atuação de Lerina acaba sendo como a de um colunista na área cultural, o que aumenta a projeção junto ao público. “Qualquer jornalista que faz resenhas e emite opiniões tem uma grande força. Principalmente no jornalismo local, já que existe a presença real nos eventos, para além da influência nas redes sociais.”
A presença em eventos e fóruns locais aumenta a visibilidade e legitima a atuação de Roger na comunidade. O diretor do portal relata que está em construção um time de colunistas com atuação semelhante a de Lerina. Conforme o publisher, a parceria, nesses casos, ocorre por meio do pagamento de anúncios nas colunas, entre outras formas de remuneração.
Influência com propósito
Marcelo Barcelos salienta que a chegada de influenciadores digitais com propósito e, consequentemente, criando conteúdos de maior profundidade pode servir de estímulo e inspiração para boas pautas jornalísticas de interesse local. “Nomes como Felipe Neto e Gabriela Prioli trouxeram uma outra perspectiva para o conceito de influência digital. Inclusive fizeram muitos jornalistas repensarem a visão estereotipada de que esse tipo de conteúdo é sempre superficial e efêmero”, comenta Barcelos.
Beatriz ressalta que a Internet modificou o jornalismo exercido em algumas regiões do país, em especial no Nordeste, onde blogs e sites independentes exerceram um papel fundamental para tirar a hegemonia de jornais que não privilegiavam a isenção jornalística. “Afinal, é obrigação nossa como jornalistas ouvirmos todos os lados envolvidos em determinada notícia, dar espaço para o contraditório”, recorda a professora.
Jornalistas como influenciadores de pautas em comum
Saúde, educação e prestação de serviço são as editorias de destaque no jornalismo local, de acordo com a professora. Por isso mesmo, durante a pandemia, os veículos locais foram fundamentais. “Seja para explicar a importância de não fazer aglomerações, informar sobre a superlotação de hospitais ou saber se o posto de saúde tinha testes, o jornalismo local foi imprescindível durante esse período recente das nossas vidas”. Pensando nos jornalistas locais como influenciadores, Beatriz analisa que eles são essenciais para “mudar a percepção e a opinião dos moradores dessas cidades sobre temas relevantes da nossa sociedade”.
Já Marcelo Barcelos enfatiza como essencial uma característica do jornalismo exercido de forma local. “O jornalista enxerga coisas que outras pessoas em geral não veem. Por isso, os veículos locais podem dar visibilidade a histórias inovadoras, a serem disseminadas ainda mais pela Internet.” Com isso, a capacidade de influência do jornalismo pode ir muito além das próprias comunidades.
Os valores de noticiabilidade são um atributo importante nesta questão. Para o jornalismo local importa mais o acontecimento do bairro do que um evento em outro país ou mesmo em outra regional do país. Quanto mais os temas abordados pelo jornalismo local trouxerem questões que impactam diretamente na vida cotidiana dos públicos e da comunidade, e levarem o público a agir em relação a eles, mais influente será o veículo e mais o laço será fortalecido.
Dentro do universo atual da comunicação, o professor Barcelos acredita na necessidade do público compreender a relação dos veículos de imprensa com seus patrocinadores. “Eles podem ser parceiros dos veículos, inclusive em conteúdos pagos. A ação benéfica de uma construtora que é anunciante pode virar uma reportagem, desde que observando os critérios de ética jornalística”, observa o professor.
Jornalistas como influenciadores de pautas em comum
Quer saber mais sobre influência local? Assista à live gratuita “Veículos de imprensa como influenciadores locais” que será promovida pela Alright no dia 28/9 (terça-feira), a partir das 17h. O encontro virtual terá a participação do coordenador de Mídia da Secretaria de Comunicação Social do Estado de Minas Gerais (Secom/MG), Thiago Macedo Angelo e do jornalista e fundador do Portal SelesNafes, Seles Nafes e também do jornalista da BAND RS Fabiano Brasil. O bate-papo será conduzido pelo fundador da Alright, Domingos Secco. As inscrições podem ser feitas aqui.